Biólogos da UFSC investigam aparecimento de algas gigantes de mares frios no litoral catarinense

04/07/2017 14:28

Espécies inseridas em um ambiente fora de seu habitat natural, na maioria das vezes indicam um desequilíbrio ambiental, que pode ser causado por alterações no clima, na cadeia alimentar, ou na organização do ecossistema. Quando um fenômeno dessa natureza acontece, biólogos e pesquisadores iniciam análises para avaliar as causas e eventuais consequências dos processos oceanográficos e biológicos relacionados ao evento. Este é um dos trabalhos que está sendo realizado pelo Laboratório de Ficologia (Lafic) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em parceria com pesquisadores de diversas regiões do mundo, após o aparecimento de algas de mares gelados na Praia do Campeche, em Florianópolis.

Alga Macrocystis pyrifera com 1.158 g e 180 cm de comprimento, quando inteira. Foto: Manuela Batista

Alga Durvillaea antarctica com 3.083 g e 151 cm de comprimento. Foto: Manuela Batista

Os exemplares das algas Macrocystis pyrifera e Durvillaea antarctica chegaram ao litoral catarinense em setembro de 2016, cerca de uma semana após o maior ciclone extratropical do ano, que aconteceu no litoral da Argentina e do Uruguai e atingiu também o Rio Grande do Sul. As algas em questão são típicas de ambientes de mares frios e antárticos, onde formam imensas florestas submersas, conhecidas como kelps. Elas podem chegar a 45 metros de comprimento e geralmente se desenvolvem em áreas mais profundas, para que possam atingir maior altura. No Brasil, elas chamaram atenção pelo tamanho e peso atingido — chegando a 1,5 metro e 1,9 kg —, quando as maiores espécies de algas que vivem no litoral brasileiro chegam a 50 cm e são extremamente raras.

Alguns testes fisiológicos como a medição de capacidade fotossintética, produção de oxigênio e respiração revelaram que as algas foram encontradas ainda com vida, mesmo tendo feito um deslocamento de cerca de 3 mil quilômetros. A bióloga e pesquisadora responsável, Manuela Batista, explica que isso é possível porque essas algas possuem vesículas de ar denominadas neumatocistos, que proporcionam flutuabilidade a essas espécies. Assim, ao se desprender do seu local de origem, conseguem flutuar a longas distâncias onde podem chegar vivas e reprodutivamente viáveis. Este eficiente mecanismo de dispersão pode formar numerosas jangadas de algas flutuantes, também chamadas de rafts, capazes de transportar larvas e até indivíduos de diversas espécies de animais, por exemplo.

O objetivo dos pesquisadores é tentar entender como estas algas chegaram até Florianópolis e se há nicho disponível para estas espécies viverem. Para isso, estão sendo feitos testes de DNA para serem comparados com amostras dos locais mais próximos de ocorrência destas espécies e modelagem de nicho para saber se há probabilidade de ocorrência dessas espécies. O modelo é baseado em registros de ocorrência georreferenciados e em dados ambientais das regiões onde as espécies são nativas.

Este fenômeno, ainda não documentado no Brasil, pode estar relacionado com eventos climáticos que trazem estas espécies provavelmente da Patagônia, no Sul da Argentina, para o litoral brasileiro. Manuela Batista diz que também há uma remota possibilidade de que elas tenham vindo da Austrália ou Antártida. A pesquisadora acredita que o ciclone que ocorreu no litoral gaúcho foi o responsável pela locomoção das algas numa corrente mais fria, o que possibilitou a sobrevivência dos espécimes. Os dados do National Oceanic & Atmospheric Administration (NOAA) registraram anomalias climáticas na costa no período em que as algas chegaram ao litoral catarinense, com a ocorrência de correntes muito frias para aquela época do ano, chegando a -1°C.

É possível que essas algas se reproduzam no litoral catarinense?

Analisando a temperatura média máxima do litoral de Santa Catarina, a Macrocystis pyrifera e a Durvillaea antarctica não são capazes de sobreviver, mas quando se faz a média com as temperaturas mínimas, elas mostram possibilidades de adaptação. As médias de temperatura são fornecidas pelo National Oceanic & Atmospheric Administration (NOAA). Os dados são obtidos por satélites, que medem a temperatura da superfície da água até 10 metros de profundidade. Depois de descobrir o local de origem das algas, o próximo passo da pesquisa será utilizar dados de temperaturas mais específicas da região e comparar com as condições de Florianópolis. Existem termômetros instalados na Ilha do Arvoredo, Ilha do Xavier e na costa, em diferentes profundidades, que mantém indicadores de temperatura desde 2014.

Essas algas sobrevivem até 20°C, que é uma temperatura bem comum em Santa Catarina. No inverno a média é de 17°C e no verão pode chegar a 28°C. Os termômetros instalados irão servir para descobrir se existe algum lugar específico onde elas consigam se instalar.

Equipe do Laboratório de Ficologia da UFSC. Ao centro Manuela Batista segurando um exemplar de Durvillaea antarctica. Foto: Divulgação

As ressurgências podem ser um fator permissivo para a ocorrência de kelps no litoral catarinense. Elas são correntes marítimas que vem do fundo da corrente do Oceano Atlântico mais central e ressurgem em duas regiões do Brasil: no Arraial do Cabo, no Rio de Janeiro, e no Cabo de Santa Marta até a Ilha do Arvoredo, em Florianópolis. A água das correntes de ressurgência tem como característica a maior quantidade de nutrientes e temperaturas mais baixas.

Além da comparação de temperaturas, os pesquisadores estão realizando uma análise molecular para identificar o DNA dos espécimes e cruzá-los com amostras provenientes de um banco de dados mundial. Manuela explica que “é um trabalho difícil, pois é complicado de extrair material para análise de DNA quando as algas contêm muitos compostos secundários”. Além disso, as algas podem ser originárias de alguma “população perdida”. Isso é possível porque essas espécies conseguem viver em ambientes muito profundos, que geralmente têm correntes mais frias. Então elas podem estar vivendo em algum ambiente mais próximo de Santa Catarina do que a Patagônia.

A instalação dessas espécies no litoral do estado pode gerar um desequilíbrio em termos de competição com outras espécies. Os kelps, além de ocuparem muito espaço, causam sombra no ambiente marinho, o que limitaria o acesso à luz por parte de outras algas. Em contrapartida, eles aumentariam a complexidade e diversidade da região, podendo funcionar como abrigo ou proteção para os peixes.

Manuela explica que espécies invasoras geram polêmicas entre os pesquisadores, pois a inserção de uma nova espécie aumenta a diversidade do ambiente, mas também pode ser uma excelente competidora e acabar prejudicando as espécies que vivem ali. Por isso, é importante fazer um monitoramento para saber quais são os efeitos causados pela espécie.

O que a chegada das algas pode indicar?

O aumento de ciclones está diretamente relacionado com mudanças climáticas e a maior frequência de tais fenômenos pode alterar profundamente as características locais de cada ambiente. Um evento extremo, com potencial de mover uma planta da Patagônia, indica mudança na circulação oceânica, que é uma organização de dimensão global. Portanto, é necessário uma adaptação do comportamento humano e das instituições para algumas novidades que estavam previstas para o fim do século, mas acabaram sendo aceleradas.

O professor Paulo Horta, do Departamento de Botânica da UFSC, chama atenção para a ocorrência inesperada dessas algas, que podem preceder a chegada de outras espécies invasoras e prejudicar, por exemplo, a pesca e a maricultura na região. “Nós temos um observatório que está atento a mudanças na região, mas não temos necessariamente um monitoramento detalhado, cauteloso para agir constantemente e a tempo”, explica o professor. Ele destaca ainda a necessidade de mudanças na gestão costeira, numa parceria entre a sociedade e a academia, para evitar grandes impactos ambientais e econômicos, como alteração na posição de unidades de conservação e dos usos feitos dos ambientes costeiros.

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Giovanna Olivo/Estagiária de Jornalismo/Agecom/UFSC